MECANISMOS DE SAÍDA DE JOINT VENTURES

As joint ventures representam formas associativas por meio das quais duas ou mais empresas combinam esforços em torno de um projeto específico. A estruturação jurídica dessas parcerias é bastante flexível, na medida em que se trata de uma associação fundamentalmente econômica. A vinculação dos sócios de uma joint venture pode ser tanto societária, quando há formação de um veículo empresarial autônomo, ou simplesmente contratual, quando os sócios optam por não constituir uma nova sociedade e lastreiam sua relação apenas em contrato.

Seja qual for o modelo associativo adotado, as disposições de saída são, quase sempre, os tópicos mais trabalhosos e difíceis de serem negociados. Abordaremos alguns conceitos e cláusulas usualmente adotadas em tais estruturas de joint ventures.

A maioria das joint ventures são constituídas por investidores que visam a geração de lucro, mediante cooperação econômica recíproca. As contribuições dos sócios de um empreendimento conjunto podem incluir ativos tangíveis, como capital, máquinas, equipamentos, estoque de produtos e imóveis, ou ativos intangíveis, como, por exemplo, marcas, patentes, direitos autorais, know how, portfólio de clientes e influência comercial.

Havendo contribuição de ativos reais, é difícil de se estabelecer um valor justo para tais. Parte desses ativos pode ter sido utilizada por um curto período, enquanto outros podem ter sido utilizados por um longo período, encontrando-se integralmente depreciados. O valor contábil, nesse aspecto, provavelmente não seria aceitável à parte dona dos ativos. Por outro lado, a avaliação pelo valor de reposição tampouco seria satisfatório à outra parte participante, pois, em última análise, esta estaria concedendo um percentual de participação superior ao valor dos ativos efetivamente contribuídos à nova sociedade.

A valoração de ativos intangíveis contribuídos à joint venture é igualmente desafiadora. Os bens intangíveis constituem-se na propriedade imaterial das empresas, possuem valor econômico, mas são desprovidos de substância física. Atribuir valores econômicos a esses ativos intangíveis não é uma tarefa fácil e, via de regra, requer uma avaliação técnica a partir de critérios, objetivos e metodologia singulares e, na maioria das vezes, incompatíveis com o contexto de negociação de uma joint venture.

Por todas essas razões, dimensionar o valor das participações dos sócios tanto no momento de ingresso no empreendimento conjunto, como no momento da saída, é um desafio considerável. Os instrumentos jurídicos que regulam a joint venture devem, assim, idealmente prever mecanismos específicos sobre eventos e condições de saída dos sócios, especialmente para os casos em que houver contribuição de ativos não-fungíveis, ou, ainda, quando os negócios da joint venture se misturarem com outros negócios desenvolvidos isoladamente pelos seus sócios. Tais mecanismos de saída devem garantir que os sócios protejam não somente seus investimentos, mas, também, os ativos contribuídos e a forma como tais ativos serão explorados e eventualmente restituídos.

As disposições de saída mais usuais nas joint ventures geralmente buscam atender a um ou mais dos seguintes objetivos: (a) permitir liquidez; (b) antecipar e evitar impasses entre os sócios; e (c) evitar e punir violações de obrigações contratuais. As cláusulas de saída, se bem construídas, devem preservar a subsistência do negócio, promover a distribuição de valores de forma equitativa entre os sócios, e coibir a manipulação indevida deste mecanismo mediante estabelecimento de eventos (triggers) específicos e suficientemente detalhados.

Existem três tipos de triggers de saída mais usualmente adotados em estruturas de joint ventures, que permitem que um dos sócios deixe o empreendimento unilateralmente, ou que, alternativamente, possibilitem a um dos sócios exigir a saída do outro.

O primeiro trigger de saída refere-se à oportunidade de monetização da participação em decorrência do simples decurso do tempo ou de mudanças nas circunstâncias do negócio. Comumente, os sócios unidos em um empreendimento conjunto são impedidos de alienar suas participações durante um período (chamado de lock up period), já que essa mecânica garante que os parceiros não fiquem presos indefinidamente em um investimento, forçando-os a envidar esforços empresariais durante um período mínimo. Outra possibilidade de monetização das participações usualmente regulada em estruturas de joint ventures refere-se à autorização para venda, quando da ocorrência de certos eventos que tenham o potencial de comprometer os investimentos ou afetar substancialmente a contribuição dos sócios na joint venture. Por exemplo, em situações de mudança nos negócios da joint venture e mudança de controle de um dos sócios.

Quando, a um ou mais sócios seja concedido o direito de sair do empreendimento mediante alienação de sua participação, em razão do transcurso do tempo ou da ocorrência de um evento com potencial de afetar o negócio, os acordos de joint venture costumam regular certas proteções aos sócios que permanecem no negócio. As proteções mais comuns são os direitos de preferência outorgados ao sócio que permanece no negócio, garantindo-lhe a prerrogativa de adquirir a participação do sócio que estiver saindo do empreendimento com prioridade sobre terceiros interessados, além dos direitos de tag along que lhe garantem a oportunidade de vender sua participação em condições idênticas ou muito semelhantes às ofertadas ao parceiro que deseja sair do negócio.

Em outras situações, menos comuns, um sócio pode negociar o direito (após o decurso de um período de tempo, ou após o atingimento de algum marco preestabelecido) de forçar a venda de todo o empreendimento, seja encontrando um comprador e exercendo direitos de drag along, ou iniciando uma Oferta Pública Inicial (IPO) do empreendimento. Nesses casos, os outros sócios geralmente buscarão proteções contratuais para resguardar o recebimento de valores semelhantes ao do parceiro que optar pela venda ou IPO, além de influência nesses processos.

O segundo trigger de saída refere-se à eventual incapacidade operacional da joint venture. Essa incapacidade pode decorrer de fatores externos à joint venture, como a promulgação de novas leis, edição de decretos, ou mesmo o surgimento de novas tecnologias ou concorrentes que simplesmente inviabilizem o negócio, ou por fatores internos como o impasse societário que impede a continuidade das atividades empresariais do empreendimento.

Nesses casos, é prática comum que os sócios estabeleçam regras que permitam a liquidação de participações. Os parâmetros exatos ou eventos que dão origem a esse trigger de “incapacidade de operar” devem sempre levar em consideração os fatos e circunstâncias específicos aplicáveis ao empreendimento conjunto. Além disso, as consequências desses eventos variam frequentemente. Em alguns casos, como quando o negócio fracassa e não há alternativas de se obter financiamentos adicionais, os sócios podem dispor que qualquer sócio poderá iniciar uma venda do negócio na qual todos os sócios possam concorrer. Se nenhum sócio ou terceiro se oferecer para comprar o negócio, o processo de dissolução é iniciado de forma automática. Por outro lado, quando a incapacidade de operar resulta de um impasse societário, mas ainda existe algum valor no negócio, a praxe dos acordos de joint ventures é regular um processo de compra ou venda de participações entre os sócios. Nessas situações, entretanto, os acordos de joint venture devem fornecer mecanismos suficientemente bem estruturados para assegurar que um sócio não possa criar – e então se beneficiar de – um impasse em detrimento dos outros sócios.

Os instrumentos de joint venture devem, idealmente, conter regramento específico para viabilizar a administração do negócio enquanto um impasse societário é resolvido. A experiência prática indica que uma alternativa viável é a inclusão de disposições relacionadas a um plano de negócios e orçamento padrão que, no mínimo, garantam que o empreendimento possa operar enquanto os sócios negociam o impasse e a respectiva mecânica de saída.

O terceiro trigger de saída, igualmente usual nas estruturas de joint ventures, refere-se à às situações de inadimplemento de obrigações contratuais objetivas e relevantes por parte de um sócio, em que seja fácil de se determinar a ocorrência, permitindo a venda forçada da participação do outro sócio. A falta de aporte de recursos de acordo com chamadas de capital válidas é talvez o evento de inadimplemento mais fácil de ser identificado e, por essa razão, muitos contratos de joint ventures classificam-no como um trigger para a venda forçada (ou outro mecanismo de saída). Outros triggers comuns relacionados a inadimplementos contratuais relevantes e que podem levar a uma venda forçada, referem-se ao descumprimento de cláusulas de não concorrência ou não aliciamento, violação de compromissos de confidencialidade ou usos não permitidos de ativos da joint venture.

Além dos triggers contratuais, outro aspecto importante atrelado aos mecanismos contratuais de saída nas parcerias estruturadas por meio de joint ventures é a avaliação (valuation) da participação do sócio que sai do negócio. Sempre que um contrato de joint venture contiver disposições de compra e/ou venda compulsória de participação, as negociações relacionadas às disposições sobre como se determinar o preço da participação do sócio retirante tendem a ser longas e complexas. As técnicas de valuation relacionadas a situações de saída é um tópico muito importante e que os sócios de uma joint venture devem cuidadosamente negociar.

Primeiramente, deve-se considerar o processo de valuation em si. Qualquer que seja o parâmetro adotado para se determinar o valor, os sócios devem discutir e concordar antecipadamente sobre um procedimento que não prejudique o valuation da joint venture. Por exemplo, deve-se assegurar a confidencialidade, de modo que as informações usadas durante o processo de valuation não possam ser utilizadas por quaisquer dos sócios (ou ex-sócios) da joint venture, para qualquer outro fim. O processo também não deve ser oneroso ou longo a ponto de afetar a capacidade da joint venture de operar em seu curso normal dos negócios.

Em segundo lugar, é preciso coordenar as diversas partes envolvidas. Em tal situação, é importante que se indique de forma clara a parte destacada para liderar o processo e quais seus limites de atuação. Nesse sentido, por exemplo, caso haja previsão contratual de que a joint venture deverá adquirir a participação de um sócio inadimplente com as obrigações de aporte, é fundamental que haja indicação de mecanismos robustos para levantamento dos recursos pela joint venture para tal finalidade: haveria chamadas de capital junto aos demais sócios adimplentes? Ou a joint venture poderia financiar essa aquisição?

Ainda, em situações em que um dos sócios possa mudar rapidamente sua participação societária no empreendimento (por exemplo, quando um sócio tiver a prerrogativa de venda premiada do controle após adquirir a participação de um sócio retirante), os contratos de joint venture podem incluir arranjos de “distribuição de lucros”. Tais arranjos impõe ao sócio remanescente a obrigação de pagar o sócio retirante um percentual de qualquer diferencial positivo do valor que o sócio remanescente obtenha na venda subsequente de sua participação na joint venture. Tais disposições de distribuição de lucros tendem a ser aplicáveis somente por um período muito curto após a saída do sócio retirante.

Com a proliferação das joint ventures no mundo dos negócios, cada vez mais investidores têm considerado a necessidade de se prever assertivamente os eventos, circunstâncias e condições de saída. Considerando a flexibilidade dos empreendimentos estruturados na forma de joint ventures, o bom assessoramento jurídico permitirá aos sócios dar mais disciplina e certeza às disposições de saída, através de arranjos criativos e customizados ao projeto específico. É natural que as joint ventures sejam configuradas a partir de premissas otimistas de mercado, mas isso não deve impedir uma negociação cuidadosa das cláusulas de saída.

*Ronaldo Machado Assumpção e Juliana Miyuki Honda, sócio e advogada do Miguel Neto Advogados

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