REFORMA TRIBUTÁRIA: DESAFIOS E BENEFÍCIOS

[:pt]Falar de tributos no Brasil é um desafio mesmo para os especialistas do assunto, sendo tema ainda mais complexo para aqueles que não tem vivência prática com os diversos impostos, taxas e contribuições que permeiam o nosso sistema tributário. Assim, o propósito desse artigo é traçar um breve panorama do ambiente tributário brasileiro e, de uma forma bastante objetiva, identificar os desafios a serem enfrentados pelas empresas em relação à reforma tributária.

É consenso em todos os segmentos de nossa economia que um dos maiores problemas do nosso sistema tributário é a pulverização de normas. Nossa legislação tributária é uma colcha de retalhos. São leis, decretos, instruções normativas, medidas provisórias, todos diariamente emitidos, nas esferas federal, estadual e municipal, sem que esses normativos sejam consolidados em um depositório comum. No limite, temos a Federação, 27 Estados e mais de 5.500 Municípios legislando sobre tributos. Muitas vezes discorrendo sobre a tributação das mesmas operações, mas de maneira distinta.

Nesse cenário, potencializa-se a importância da reforma tributária pretendida pela PEC 45 como consolidadora de cinco tributos em um. Serão três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) que se transformarão no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Esse novo tributo se assemelha em grande parte ao modelo já amplamente utilizado mundo afora e que se denomina IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Apenas pelo fato de que teremos uma legislação única e consolidada, os benefícios já serão enormes. Em resumo, simplifica enormemente a tributação das operações rotineiras de nossas indústrias, dos prestadores de serviços e das empresas comerciais de maneira geral. Rapidamente já chegamos à primeira conclusão da imprescindibilidade dessa reforma.

Outro sério problema enfrentado pelo empresariado é que pagar tributos no Brasil não é tarefa simples e tampouco barata. A depender do segmento de atuação, as empresas são obrigadas a manter departamentos tributários com profissionais especializados e que precisam superar muitas vezes complexas questões subjetivas de interpretação das normas fiscais. Adicione-se a isso a necessidade de suportar custos altíssimos para atender a imensa quantidade de obrigações acessórias fiscais a serem cumpridas. Novamente, a fusão de cinco tributos em um será muito bem-vinda. O empresário terá que se preocupar com apenas uma legislação, e não com cinco diferentes regras tributárias. E naturalmente sobrará mais tempo, dinheiro e energia para focar naquilo que é o principal: a fabricação/comercialização de produtos/serviços com qualidade e eficiência!

Assim, a inserção do ICMS e do ISS nesta reforma é fator determinante para a tão pretendida simplificação do nosso ambiente fiscal. No caso do ICMS, são 27 legislações estaduais, com suas diferenças e especificidades, que fazem com que o conhecimento pleno desse tributo seja tarefa muito árdua, ainda mais quando nos deparamos com o seu principal subproduto: o famigerado ICMS-ST (ICMS por Substituição Tributária). Quem já enfrentou o desafio de tentar explicar essa sistemática para algum diretor estrangeiro de empresa multinacional sabe do que estou falando. A manutenção de diferentes tabelas de preços para clientes que se situam em diferentes Estados é apenas um exemplo de custo adicional na complexa atividade de formação de preços. É um mundo próprio e cujo desconhecimento tem impacto direto no custo das operações interestaduais. Embora a PEC 45 não tenha trazido disposições a respeito de um improvável IBS-ST, quero crer que com a supressão da possibilidade da concessão de benefícios fiscais e com a uniformidade da alíquota do tributo, referidas operações entre os Estados serão simplificadas, novamente permitindo que o empresário concentre seus esforços na sua atividade principal, aumentando sua competitividade. Já no caso do ISS, são mais de 5500 Municípios legislando sobre o imposto, com diferenças substanciais nas regras existentes.

Paralelamente ao custo de conformidade fiscal suportado pelas empresas, há também os custos relacionados ao contencioso tributário. Os custos com manutenção de um departamento jurídico próprio ou as contratações de escritórios de advocacia para tratar das questões tributárias tornaram-se gastos rotineiros e relevantes para as empresas. Sem contar o impacto negativo que a falta de segurança jurídica traz à competitividade. A simplificação tributária contribuirá sensivelmente para a redução dessas discussões administrativas e judiciais.

Avaliando a proposta de criação do IBS, alguns pontos positivos se destacam principalmente sob a ótica da redução da chamada “Guerra Fiscal” e também do contencioso tributário: (i) o IBS será um tributo não-cumulativo pleno que permitirá a compensação da totalidade do imposto incidente nas etapas anteriores de produção e comercialização (redução das discussões sobre a tomada de créditos); (ii) terá alíquota uniforme; (iii) será cobrado no “destino” visando tributar o consumo e não a produção; e (iv) será vedada a concessão de benefícios fiscais.

Para que essas mudanças ocorram, entretanto, o desafio será conseguir a adesão de todas as partes envolvidas. O que não será tarefa simples, pois a partir da adoção da tributação no “destino” e da vedação à concessão de benefícios fiscais, ocorrerão reduções na arrecadação de determinados entes da Federação bem como aumento na tributação de certas empresas/segmentos. Considerando que investimentos foram realizados a partir do atual modelo vigente, tais mudanças podem acarretar perda competitiva das empresas e até encerramento de suas operações, bem como desarranjo das contas públicas de Estados e Municípios. Logo, haverá resistência às mudanças propostas.

Assim, será imprescindível a adequada e eficiente condução/coordenação do Comitê Gestor Nacional do IBS que terá a função de publicar o regulamento do tributo e será formado por representantes da União, dos Estados e dos Municípios. Considerando os interesses conflitantes envolvidos, a capacidade de articulação política pela liderança desse comitê será definidora para o sucesso do projeto.

Ultrapassada essa barreira, as empresas deverão incluir o novo imposto na sua já complexa cadeia de tributação, que conviverá com os cinco tributos a serem extintos pelos próximos dez anos. Ao longo desse período, paulatinamente, o IBS ganhará relevância proporcionalmente à redução da incidência dos cinco tributos. Pela proposta, não haverá nem incremento nem redução de tributação, apenas a substituição de cinco tributos por um único.

Assim, antes de melhorar, o cenário vai piorar. Mas não há outra solução e as empresas, mais uma vez, arcarão com os custos de parametrização de sistemas (ERPs), nova formação de custo e, consequentemente, dos preços dos produtos, dentre outros novos gastos com a criação do IBS.

Mas esses são custos adicionais que terão como contrapartida uma almejada redução dos custos atualmente suportados de conformidade fiscal, que como já dito, é bastante relevante. Relatório preparado pelo Banco Mundial que compara 190 países mostra que o Brasil é o país onde as empresas gastam mais tempo para calcular e pagar impostos. São, em média, 1.958 horas por ano. É consenso que isso tem que melhorar. Até porque é difícil imaginarmos um cenário mais complexo e burocrático do que temos atualmente. É um sistema onde a exceção é a regra. São tantos regimes diferenciados, benefícios fiscais, alíquotas concentradas, regimes especiais, reduções de alíquotas, que o incomum é aplicar a regra geral.

Objetivamente, com a criação do IBS, virá uma simplificação dos procedimentos de apuração de tributos, pois o que antes era recolhido para três entes segregados, agora será para apenas um. Fiscalizações que antes eram realizadas pelos mesmos três entes, agora serão realizadas apenas por um. Obrigações acessórias com regras específicas a depender do Município e do Estado em que a empresa atua, serão agora unificadas. É o que se espera.

Concluindo, o IBS se alinha a um conceito mais globalizado de IVA, e consolida a sua incidência, também seguindo tendência mundial, sobre uma base mais ampla de bens, serviços e direitos, tangíveis e intangíveis, o que facilitará a tributação de operações da nova economia, notadamente influenciada pela digitalização.

A criação do IBS e a simplificação do ambiente tributário brasileiro sempre foi um pedido dos principais players do mercado e a sua concretização, além de acarretar ganho de eficiência e produtividade, certamente será um fator adicional de atração de investimentos externos.

Pela complexidade da situação, o mercado ainda está receoso que essa reforma seguirá adiante, mas a percepção generalizada é de que simplificar nosso ambiente tributário será muito positivo para as empresas, para atrair investidores e, consequentemente, para ajudar a reaquecer nossa economia.

*João Cipriano, sócio da área tributária do Miguel Neto Advogados

 

 

 

 [:en]Falar de tributos no Brasil é um desafio mesmo para os especialistas do assunto, sendo tema ainda mais complexo para aqueles que não tem vivência prática com os diversos impostos, taxas e contribuições que permeiam o nosso sistema tributário. Assim, o propósito desse artigo é traçar um breve panorama do ambiente tributário brasileiro e, de uma forma bastante objetiva, identificar os desafios a serem enfrentados pelas empresas em relação à reforma tributária.

É consenso em todos os segmentos de nossa economia que um dos maiores problemas do nosso sistema tributário é a pulverização de normas. Nossa legislação tributária é uma colcha de retalhos. São leis, decretos, instruções normativas, medidas provisórias, todos diariamente emitidos, nas esferas federal, estadual e municipal, sem que esses normativos sejam consolidados em um depositório comum. No limite, temos a Federação, 27 Estados e mais de 5.500 Municípios legislando sobre tributos. Muitas vezes discorrendo sobre a tributação das mesmas operações, mas de maneira distinta.

Nesse cenário, potencializa-se a importância da reforma tributária pretendida pela PEC 45 como consolidadora de cinco tributos em um. Serão três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) que se transformarão no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Esse novo tributo se assemelha em grande parte ao modelo já amplamente utilizado mundo afora e que se denomina IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Apenas pelo fato de que teremos uma legislação única e consolidada, os benefícios já serão enormes. Em resumo, simplifica enormemente a tributação das operações rotineiras de nossas indústrias, dos prestadores de serviços e das empresas comerciais de maneira geral. Rapidamente já chegamos à primeira conclusão da imprescindibilidade dessa reforma.

Outro sério problema enfrentado pelo empresariado é que pagar tributos no Brasil não é tarefa simples e tampouco barata. A depender do segmento de atuação, as empresas são obrigadas a manter departamentos tributários com profissionais especializados e que precisam superar muitas vezes complexas questões subjetivas de interpretação das normas fiscais. Adicione-se a isso a necessidade de suportar custos altíssimos para atender a imensa quantidade de obrigações acessórias fiscais a serem cumpridas. Novamente, a fusão de cinco tributos em um será muito bem-vinda. O empresário terá que se preocupar com apenas uma legislação, e não com cinco diferentes regras tributárias. E naturalmente sobrará mais tempo, dinheiro e energia para focar naquilo que é o principal: a fabricação/comercialização de produtos/serviços com qualidade e eficiência!

Assim, a inserção do ICMS e do ISS nesta reforma é fator determinante para a tão pretendida simplificação do nosso ambiente fiscal. No caso do ICMS, são 27 legislações estaduais, com suas diferenças e especificidades, que fazem com que o conhecimento pleno desse tributo seja tarefa muito árdua, ainda mais quando nos deparamos com o seu principal subproduto: o famigerado ICMS-ST (ICMS por Substituição Tributária). Quem já enfrentou o desafio de tentar explicar essa sistemática para algum diretor estrangeiro de empresa multinacional sabe do que estou falando. A manutenção de diferentes tabelas de preços para clientes que se situam em diferentes Estados é apenas um exemplo de custo adicional na complexa atividade de formação de preços. É um mundo próprio e cujo desconhecimento tem impacto direto no custo das operações interestaduais. Embora a PEC 45 não tenha trazido disposições a respeito de um improvável IBS-ST, quero crer que com a supressão da possibilidade da concessão de benefícios fiscais e com a uniformidade da alíquota do tributo, referidas operações entre os Estados serão simplificadas, novamente permitindo que o empresário concentre seus esforços na sua atividade principal, aumentando sua competitividade. Já no caso do ISS, são mais de 5500 Municípios legislando sobre o imposto, com diferenças substanciais nas regras existentes.

Paralelamente ao custo de conformidade fiscal suportado pelas empresas, há também os custos relacionados ao contencioso tributário. Os custos com manutenção de um departamento jurídico próprio ou as contratações de escritórios de advocacia para tratar das questões tributárias tornaram-se gastos rotineiros e relevantes para as empresas. Sem contar o impacto negativo que a falta de segurança jurídica traz à competitividade. A simplificação tributária contribuirá sensivelmente para a redução dessas discussões administrativas e judiciais.

Avaliando a proposta de criação do IBS, alguns pontos positivos se destacam principalmente sob a ótica da redução da chamada “Guerra Fiscal” e também do contencioso tributário: (i) o IBS será um tributo não-cumulativo pleno que permitirá a compensação da totalidade do imposto incidente nas etapas anteriores de produção e comercialização (redução das discussões sobre a tomada de créditos); (ii) terá alíquota uniforme; (iii) será cobrado no “destino” visando tributar o consumo e não a produção; e (iv) será vedada a concessão de benefícios fiscais.

Para que essas mudanças ocorram, entretanto, o desafio será conseguir a adesão de todas as partes envolvidas. O que não será tarefa simples, pois a partir da adoção da tributação no “destino” e da vedação à concessão de benefícios fiscais, ocorrerão reduções na arrecadação de determinados entes da Federação bem como aumento na tributação de certas empresas/segmentos. Considerando que investimentos foram realizados a partir do atual modelo vigente, tais mudanças podem acarretar perda competitiva das empresas e até encerramento de suas operações, bem como desarranjo das contas públicas de Estados e Municípios. Logo, haverá resistência às mudanças propostas.

Assim, será imprescindível a adequada e eficiente condução/coordenação do Comitê Gestor Nacional do IBS que terá a função de publicar o regulamento do tributo e será formado por representantes da União, dos Estados e dos Municípios. Considerando os interesses conflitantes envolvidos, a capacidade de articulação política pela liderança desse comitê será definidora para o sucesso do projeto.

Ultrapassada essa barreira, as empresas deverão incluir o novo imposto na sua já complexa cadeia de tributação, que conviverá com os cinco tributos a serem extintos pelos próximos dez anos. Ao longo desse período, paulatinamente, o IBS ganhará relevância proporcionalmente à redução da incidência dos cinco tributos. Pela proposta, não haverá nem incremento nem redução de tributação, apenas a substituição de cinco tributos por um único.

Assim, antes de melhorar, o cenário vai piorar. Mas não há outra solução e as empresas, mais uma vez, arcarão com os custos de parametrização de sistemas (ERPs), nova formação de custo e, consequentemente, dos preços dos produtos, dentre outros novos gastos com a criação do IBS.

Mas esses são custos adicionais que terão como contrapartida uma almejada redução dos custos atualmente suportados de conformidade fiscal, que como já dito, é bastante relevante. Relatório preparado pelo Banco Mundial que compara 190 países mostra que o Brasil é o país onde as empresas gastam mais tempo para calcular e pagar impostos. São, em média, 1.958 horas por ano. É consenso que isso tem que melhorar. Até porque é difícil imaginarmos um cenário mais complexo e burocrático do que temos atualmente. É um sistema onde a exceção é a regra. São tantos regimes diferenciados, benefícios fiscais, alíquotas concentradas, regimes especiais, reduções de alíquotas, que o incomum é aplicar a regra geral.

Objetivamente, com a criação do IBS, virá uma simplificação dos procedimentos de apuração de tributos, pois o que antes era recolhido para três entes segregados, agora será para apenas um. Fiscalizações que antes eram realizadas pelos mesmos três entes, agora serão realizadas apenas por um. Obrigações acessórias com regras específicas a depender do Município e do Estado em que a empresa atua, serão agora unificadas. É o que se espera.

Concluindo, o IBS se alinha a um conceito mais globalizado de IVA, e consolida a sua incidência, também seguindo tendência mundial, sobre uma base mais ampla de bens, serviços e direitos, tangíveis e intangíveis, o que facilitará a tributação de operações da nova economia, notadamente influenciada pela digitalização.

A criação do IBS e a simplificação do ambiente tributário brasileiro sempre foi um pedido dos principais players do mercado e a sua concretização, além de acarretar ganho de eficiência e produtividade, certamente será um fator adicional de atração de investimentos externos.

Pela complexidade da situação, o mercado ainda está receoso que essa reforma seguirá adiante, mas a percepção generalizada é de que simplificar nosso ambiente tributário será muito positivo para as empresas, para atrair investidores e, consequentemente, para ajudar a reaquecer nossa economia.

*João Cipriano, sócio da área tributária do Miguel Neto Advogados

 

 

 

 

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