MÉDIA ANUAL DE INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA CAI DE 5,4% DO PIB PARA 1,7%

Um dos maiores desafios da gestão do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para promover a retomada do crescimento do país, será ampliar os investimentos em infraestrutura. O setor, global e historicamente, requer aporte de recursos públicos, mas o Brasil que o novo governo herdará passa por forte restrição fiscal. Com pouco mais de R$ 30 bilhões destinados aos investimentos na peça orçamentária de 2019, só será possível superar o baixíssimo índice de 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB) de aplicação em infraestrutura com atração do capital privado. Para isso, no entanto, há muitos obstáculos a serem superados.

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Em 30 anos, o estoque de infraestrutura caiu do equivalente a 58,2% do PIB para 36,2%, muito distante dos 60% ideais. A média anual de investimento também despencou de 5,4% do PIB no período militar para 1,7% nos últimos dois anos. De acordo com estudo do especialista em infraestrutura Claudio Frischtak, presidente da InterB Consultoria, para recuperar o estoque até 2035, é preciso elevar a taxa de investimento para 5%, considerando um crescimento da economia de 1% ao ano. Isso significa investir por ano cerca de R$ 350 bilhões, mais de 10 vezes o que estará disponível nos cofres públicos em 2019. Se a atividade econômica crescer mais, a necessidade será ainda maior.

Além da questão fiscal, o desafio do novo governo passa por gerenciar as áreas conflitantes, na opinião de Sandro Cabral, professor de estratégia do Insper. “Será preciso aliar os economistas liberais; os militares com uma visão mais nacionalista e até mesmo avessa à participação privada em setores estratégicos; e os órgãos jurídicos e de controle, além de outros dois grupos: a bancada do mundo real, que é o Congresso, e o núcleo do governo. Temos que ver qual força vai predominar, sobretudo, na área de infraestrutura, porque são investimentos altos e de longo prazo”, analisa. Para o especialista, se o novo governo quiser mostrar credibilidade, tem de dar um sinal forte. “Anunciar a concessão de Congonhas poderia ser esse sinal. A Infraero endivida o governo”, diz.

O Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, chegou a figurar no programa de concessões e foi retirado por uma indefinição sobre o que seria feito com a Infraero no futuro, mesmo caso do Santos Dumont, no Rio. O futuro ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, já sinalizou que a Infraero “vai acabar” em três anos. Segundo ele, a dúvida é se ela será privatizada como uma empresa de administração de aeroportos ou se, ao final do processo, será liquidada. Parte dos funcionários da estatal deve ser transferida para uma nova empresa de controle aéreo e outra já vem sendo desligada num programa de demissão voluntária bancado com recursos obtidos com as concessões.

Nos modais de transporte, Sandro Cabral ressalta que o principal desafio é melhorar o ambiente de negócios e a relação dentro dos órgãos de governo. “Antes da colaboração público-privado, é preciso ter colaboração público-público. Os órgãos ficam batendo cabeça”, critica.

No entender de João Santana, ex-ministro da Infraestrutura, dois vetores devem ser priorizados: a questão energética e a logística de transporte. “Na energia, é preciso rediscutir a regulação, há muita judicialização, existem recursos prometidos de geração que não vão se realizar. Já nos modais de transporte, é preciso buscar investidores, novas oportunidades e definir como o Estado vai participar. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem que financiar a infraestrutura brasileira”, diz. Resolver o entrave da cessão onerosa é primordial para o setor de petróleo, alerta Santana, para quem o Brasil precisa de um regime de concessão mais aberto. O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque, futuro ministro de Minas e Energia, já anunciou que o tema será prioridade da pasta.

 

Agências

O desaparelhamento das agências reguladoras, cuja intenção já foi sinalizada pelo novo governo, é fundamental para a atração de capital privado, no entendimento de Miguel Neto, sócio sênior do Miguel Neto Advogados. “Tem de tirar o viés ideológico que existe nas agências para destravar os gargalos. Ao unificar as três de transportes, como sugere a nova equipe econômica, será possível fazer os modais integrados”, afirma. Se o Congresso flexibilizar algumas regras para atrair capital privado, a velocidade dos investimentos será maior, aposta Miguel Neto.

Alberto Sogayar, sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, lembra que o país tem em torno 2,8 mil obras paradas, das quais mais de 500 são de infraestrutura, que precisam ser retomadas. “O novo governo já manifestou o incômodo com isso e diz que vai investir em privatizações e concessões, mas precisa fazer o dever de casa na regulação para dar segurança aos investidores internacionais, já que BNDES não vai mais financiar completamente os projetos, embora ainda possa fazer um aporte de partida”, ressalta.

Otimista com o futuro do setor, Sogayar diz que o novo governo terá ótimos elementos para dar a largada. “O megaleilão do excedente de petróleo de cessão onerosa deve gerar mais de R$ 100 bilhões e pode ser realizado já no primeiro semestre”, destaca. Para isso, no entanto, é preciso que o Congresso aprove o Projeto 78/2018. “Se conseguir isso, gera um bom caixa. Além disso, existem várias concessões previstas para o primeiro semestre do ano, cuja expectativa é de que arrecadem mais R$ 15 bilhões. São boas sinalizações”, assinala.

Para o pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGVCeri), Edson Gonçalves, a preocupação do novo governo deveria ser priorizar o saneamento básico. “Temos projetos bons que são interessantes para a iniciativa privada. Mas, no saneamento, há um emaranhado regulatório. A titularidade da prestação do serviço é municipal, com participação estadual com as empresas estatais de água e esgoto. É preciso adequar as regulações de cada município, pois não existe um padrão”, pontua. O governo Temer tentou fazer isso por meio da Medida Provisória nº 844/2018, que caducou em 19 de novembro.

Gonçalves diz que existem experiências de sucesso de parcerias público privadas (PPPs) e até gestão completamente privada. Para outros projetos de maior envergadura, o especialista defende a atração do capital estrangeiro, desde que resolvido o risco cambial. “Isso é um problema relevante, porque esses investidores aportam em dólares e têm receita em reais”, ressalta.

Uma alternativa que deve ser mais valorizada pelo novo governo como opção ao investimento público são as parcerias (PPPs), destaca Bruno Pereira, sócio da Radar PPP. Apesar da lei ser de 2004, existem apenas 109 operando, nenhuma em âmbito federal. Para ele, seria “pedagógico” se o novo governo apostasse mais em PPPs. “Nunca esteve numa agenda séria da União. Durante o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), alguns projetos tramitaram e foram aprovados, mas assinada tem uma só, um datacenter em Brasília”, diz.

 

Setor privado está otimista

O setor privado está otimista com o novo governo e começa a desengavetar projetos para investir em infraestrutura. Especializado em soluções ambientais para o tratamento de águas e efluentes, o Grupo Opersan vai dobrar os investimentos em 2019. Diogo Taranto, diretor de desenvolvimento de negócios da empresa, diz que a meta de 2018 foi cumprida, com a injeção de R$ 15 milhões em novos projetos. Para 2019, serão R$ 30 milhões. “O abastecimento de água tem um índice e a capacidade de tratar esgoto é muito inferior, mas os investimentos em tratamento estão aumentando”, diz.

Com 12 anos no mercado de geradores de energia, a Tecnogera fechou contrato com a Petrobras para fornecer eletricidade temporária para instalações da companhia petrolífera, localizadas em 15 estados brasileiros. O contrato terá duração de três anos, podendo ser estendido por mais dois. Abraham Curi, diretor da Tecnogera, diz que o pico de demanda em projetos de infraestrutura foi até 2013, com paralisia em 2014 e 2015 e crescimento quase vegetativo em 2016 e 2017. “Agora, voltamos a ter esperança com a expectativa de crescimento da infraestrutura”, afirma.

 

Projetos

A dúvida, segundo o empresário, é se as ações do novo governo serão capazes de destravar a retomada. “Na confiança do mercado já houve melhora, a cadeia já está mais pujante. A engenharia está tocando alguns projetos, leilões de linhas de transmissão”, conta. Em 2018, a empresa cresceu 15% e estima igual índice para 2019.

Para Hércules Nolasco, CEO da Âncora Engenharia, o otimismo pode se concretizar se o governo se concentrar em saúde, segurança e educação e deixar o setor produtivo mais livre. “É preciso uma mudança de rumo na estratégia de desenvolvimento. É possível abrir o mercado para que as médias e pequenas empresas possam participar dos processos”, defende.

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